Relações familiares no Québec

No Brasil os laços familiares são muito fortes. Eu sou do nordeste onde creio que eles são mais estreitos ainda. Para nós não é estranho o filho morar com os pais até concluir o curso universitário ou  mesmo depois até conseguir uma estabilidade financeira que permita ter um padrão de vida tão bom - ou melhor - quanto o de sua família. É normal que pais paguem a faculdade dos filhos, que a família se reuna aos domingos, que se moramos longe nos falemos regularmente. É nosso costume passar as festas juntos sempre que possível. E, quando a velhice chega para alguns de nossos familiares nada mais justo do que trazê-los para morar conosco.

Mas, no Québec, a dinâmica familiar não é a mesma.

De acordo com meus amigos do Québec o mais comum é que o jovem saia de casa antes  mesmo de começar a universidade. E ele vai então começar a trabalhar para pagar a mensalidade, o aluguel (invariavelmente dividido com outros estudantes), a comida, as baladas... Claro que tem pais que pagam por tudo isso mas, ao contrário do Brasil, é bem comum que os pais não o façam - mesmo tendo condições financeiras - e até mesmo que se queixem se o filho não se manifestar para sair de casa.

E eu acho que essa ruptura entre pais e filhos tão cedo é a origem de outra coisa que me chocou bastante aqui. Eu morei por alguns meses em um prédio de Québec que é conhecido por abrigar muitos aposentados de classe média daqui (professores, médicos, etc). Para você terem uma idéia sempre que eu dizia para alguém que morava lá para um quebecois a resposta era: "ah, meu pai mora lá também" ou "meu avô morou naquele prédio vários anos" (antes de morrer, lógico). Enfim, o prédio é estrategicamente planejado para a vida do idoso québecois. Tem supermercado, restaurante, farmácia, dentista, lavanderia, banco, café e loja. Tem clube social onde os vovôs jogam bingo toda quinta-feira. Tem um hospital bem de frente. Na verdade só faltou mesmo a funerária.

Enfim, esses vovôzinhos todos moram sozinhos. São idosos de 75, 80 e até 90 anos. Você imaginaria sua avó de 90 anos morando sozinha? Eu não. Mas, aqui é super comum. O que não é comum são os filhos ou netos os visitarem - mesmo morando na mesma cidade.

A gente acaba sabendo dessas coisas porque os velhinhos adoram conversar. Não tinha um dia em que um deles não me contassem a metade de suas vidas. Assim soube que a vizinha de seus 80 anos ia todos os dias no começo da manhã ao 6º andar visitar o namorado - de seus 85 anos. Que outra morava em um apartamento em um andar mais baixo porque tinha varanda e como ela era do interior não conseguiria morar onde não tivesse. Que uma senhorinha do 17º andar apesar de aparentar seus 75 anos tinha na verdade 95 e enquanto eu estava sonhando com minha cama quentinha e um chocolate quente ela estava descendo para jantar e jogar bingo com os amigos do prédio. E assim escutei muitas histórias em 4 meses no Samuel Holland.

E, se para mim é chocante ver esses idosos sozinhos, eu me dou conta que eles não são infelizes assim. Eles têm uma vida social intensa. Na verdade, deve ser como morar em uma colônia de férias. Piscina no fim da manhã, quebra-cabeças depois do almoço, jantar no restaurante às 17h30 - como todo bom québecois, conversa jogada fora na sala da lareira...

Enfim, para mim continua a ser chocante um pai que tem dinheiro se recusar a pagar a faculdade do filho ou um velhinho de  90 anos morar sozinho por mais feliz que ele pareça ser. São diferenças culturais gritantes. E é por gostar de observar isso tudo, de vivenciar tudo isso, que deixei minha paraíba natal e vim parar aqui no pólo norte.


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7 Response to "Relações familiares no Québec"

  1. Eduardo says:
    13 de novembro de 2011 às 08:45

    Olá Manuela, tudo bem ?
    Estou realmente muito feliz em ter encontrado seu blog. Advogada e em Québec. Que maravilha ! Sou advogado em Salvador e durante 3 anos pesquiso o processo de Québec, tinha um blog muito conhecido (Acarajé abaixo de Zero) e somente agora tivemos coragem de enviar nossos documentos. Tirei muitas dúvidas com seus artigos e me deixou mais seguro. Tenho muito medo porque sou advogado e minha esposa é enfermeira, ou seja, vamos passar fome enquanto não fazemos a equivalência dos diplomas ?? Sei que não... vc me deu várias luzes !!! Podemos manter contato ?? Me passe seu e-mail se for possível. O meu e-mail é eduardocamposadv@gmail.com
    Parabéns pelo Blog e pela coragem !!
    Eduardo

  2. Eduardo says:
    13 de novembro de 2011 às 08:46

    Complementando... decidimos que vamos realmente para Ville de Quebec. Vamos enviar toda papelada daqui ha 15 dias. Só falta preencher os formulários e esperar...

  3. Apoema says:
    13 de novembro de 2011 às 13:43

    Estivemos em Québec em setembro e suas observações quanto às relações familiares são bem semelhante as que fiz. Achei o máximo a qualidade de vida do idosos e a independência deles.
    Passamos por um condomínio em Angrignon (Montréal), só para aposentados e eles pegavam seus carrinhos de locomoção e saíam pelo bairro, encontravam os amigos pelo percurso e batiam papo.
    Ao mesmo tempo, estranhei a falta de familiares com os idosos, mas percebi que as relações parentais devem ser bem diversas.
    Aqui a família é muito grudada, até demais! O filho fica contando com o apoio dos pais até que estes morram (pra cuidarem dos netos, pra emprestarem dinheiro, pra cuidarem deles por alguma circunstância de saúde e até para sustentarem de fato!!!). Somos herdeiros da mama italiana e das famílias lusitanas, acolhemos demais, protegemos demais, estragamos demais! Uma herança mais propensa a formar uma geração de acomodados, covardes e inseguros.
    Adoro poder, ainda, ter o colinho da minha mãe e o socorro do meu pai qdo alguma coisa aqui quebra, mas acho que eles mereciam ter mais tempo pra si mesmos, mas sem esquecer de nós e nem nós deles. Deve haver um equilíbrio, lidarmos com nossas preocupações e problemas e compartilhar as alegrias e conquistas com os nossos pai.

  4. Manuela Says:
    15 de novembro de 2011 às 13:05

    Apoema:

    Exato. Eu acho que o equilibrio é essencial. Com certeza nossa cultura nos torna bem dependentes de nossa familia, seja financeiramente ou emocionalmente. Aqui eu acho um pouco o outro lado da moeda. Acho que como tudo na vida o equilibrio é o melhor, mas também o mais dificil de se conseguir.

  5. Anônimo Says:
    16 de novembro de 2011 às 14:50

    Prefiro o jeito do Brasil, mas não nego que se a condição financeira fosse melhor eu já estaria moranod sozinho...

  6. Marcos says:
    17 de novembro de 2011 às 08:19

    Bom pra quem não é agarrado à familia como eu.

    Eu já havia lido sobre isso, e realmente acho que me darei muito bem aí!

  7. Sara says:
    23 de novembro de 2011 às 00:02

    Adorei o blog!Estou maravilhada!Como estamos tentando o processo de imigração,o teu site está sendo ótimo para nos guiar um pouquinho.
    Estou montando um blog do zero.Espero postar fotos do Québec em breve,pois estou anciosa!
    http://lemondeauquebec.blogspot.com/